Simple Credit Enterprise: an alternative source to finance Micro and Small Enterprises that are facing the COVID-19 pandemic
Ana Clara de Mattos Rodrigues da Silva
Rafael Caldeira Lopes
Resumo
Contexto: A Empresa Simples de Crédito “ESC” surge no Direito Empresarial pátrio com o seguinte intento: ampliar o acesso ao crédito a micro e pequenos empreendedores. O seu nascimento tão recente, no entanto, faz com que muitas dúvidas e lacunas jurídicas possam ser percebidas – especialmente num cenário atípico de pandemia do COVID-19.
Objetivo: Este trabalho buscou averiguar os contornos jurídicos da ESC, desafios legais e participação no fomento ao crédito para o micro e pequeno empreendedor. Tal tema ganha extrema relevância no cenário atual, pois pode-se dizer que vive-se uma Crise do Crédito que se difere daquela vivida em 2008 justamente por afetar diretamente empreendedores e as pessoas em seu dia a dia.
Método: A pesquisa tem como base os seguintes métodos: exploratório, análise de dados quali-quanti e profunda revisão bibliográfica, bem como hermenêutica da legislação pátria e normas de Direito Comparado.
Resultados: A partir deste estudo pode-se concluir que, apesar de a ESC ser uma relevante alternativa de fomento ao crédito, a totalidade do seu potencial ainda não fora atingida. A razão para tal dá-se, principalmente, por óbices legais e pela insegurança jurídica.
Palavras-chave: Direito Empresarial; Empresa Simples de Crédito; Crise do Crédito; Micro e pequena empresa; COVID-19.
Abstract
Context: The Simple Credit Enterprise “ESC” appears in Brazilian Corporate Law with the following intent: to expand access to credit for micro and small entrepreneurs. Its recent birth, however, means that many doubts and legal gaps can be perceived – especially in an atypical COVID-19 pandemic scenario.
Goals: The present study aims to ascertain the legal contours of ESC, legal challenges and participation as a source of financing for credit for micro and small entrepreneurs. This theme gains extreme relevance in the current scenario, because, that is to say, we are experiencing a Crisis of Credit that differs from that experienced in 2008 precisely because it directly affects entrepreneurs and people in their daily lives.
Method: The research is based on the following methods: exploratory, quali-quanti data analysis and in-depth bibliographic review, as well as hermeneutics of national legislation and norms of Comparative Law.
Results: From this study it can be concluded that, although ESC is a relevant credit development alternative, its full potential has not yet been reached. The reason for this is mainly due to legal constraints and legal uncertainty.
Um importante motor para o avanço da economia é, de forma inegável, o crédito. Outrora, mais especificamente no ano de 2008, viveu-se a também chamada “Crise do Crédito” em razão de seu baixo valor que possibilitou arriscadas operações no mercado, como a alavancagem e precificações incorretas.
Agora o cenário é oposto. Tem-se, sim, uma “Crise do Crédito” – mas o motivo para tal está na grande dificuldade de acessá-lo, principalmente por micro e pequenos empreendedores, que são grandes responsáveis pelo fomento da economia local. Desse modo, enquanto em 2008 viveu-se uma Crise do Crédito em Wall Street e nas grandes bolsas de valores, atualmente vive-se uma crise que afeta diretamente empreendedores e as pessoas em seu dia a dia.
Uma atmosfera de inclinação liberal pré-vírus veio a possibilitar que medidas de maior liberdade econômica fossem implementadas. Importantes mudanças no Direito Empresarial, porquanto, tiveram a sua gênese. Entre essas, destaca-se a sanção à Lei Complementar 167/19, que criou uma modalidade de empresa: a Empresa Simples de Crédito “ESC”.
A empresa em questão possibilita que pessoas físicas se “pejotizem” e venham a emprestar quantias sem que estejam sujeitas à Lei da Usura. Os juros, portanto, veriam-se regulados pelo mercado. É inegável a importância do surgimento dessa modalidade empresarial em um país com ‘spread’ altíssimo e cujo um dos maiores credores é ainda o Banco Nacional do Desenvolvimento – “BNDES”.
Aliar-se à iniciativa privada, muitas vezes, quiçá na maioria, pode ser o melhor caminho para a Gestão Pública e um fator que a confira maior qualidade. Centralizar muitas funções, por vezes, pode ser prejudicial à devida prestação de um serviço, pois é algo muito árduo. Ademais, não devemos viver em um país cuja economia seja do tamanho de um banco público, como o BNDES.
Por tais razões, é de suma importância conferir mais espaço à iniciativa privada, como fora feito com a sanção da Lei Complementar 167/19 e o advento da ESC – que possibilita que milhares de empreendedores injetem dinheiro na economia.
Não será sozinho que o Estado poderá agir de modo a recuperar a economia. Desse modo, partindo da premissa de que esta modalidade de empresa pode ser uma importante aliada ao fomento da economia no cenário de pandemia, este estudo tem como objeto analisá-la em uma perspectiva jurídica, notadamente no tocante à sua constituição, óbices à sua expansão e expectativas que se possa ter de fomento à economia através de suas atividades.
Para a elaboração deste estudo, um dos métodos adotados foi o da pesquisa exploratória, pois vemo-nos ante um cenário novo sobre o qual, na temática específica, ainda não se vê extensa produção acadêmica. A análise de dados e pesquisa bibliográfica, bem como um trabalho de pesquisa de campo, também foram utilizados de modo a possibilitar a condução deste estudo.
1. O Sistema de Crédito no Brasil: uma perspectiva jurídica
O Mercado Financeiro é composto de: Mercado de Crédito, Mercado de Capitais e o Mercado de Câmbio (Eizirik et al, 2020). Dentre esses, destaca-se neste estudo o Mercado de Crédito. Nele, as relações negociais se dão entre agentes superavitários, ou poupadores; e deficitários, ou tomadores de recurso (Pitta; Pereira Filho, 2017).
Enquanto os agentes superavitários possuem uma poupança de sua renda que os possibilita ceder recursos, os agentes deficitários são a contraparte que precisa de uma injeção econômica para as suas atividades. Quando essas partes se encontram e alinham os seus interesses de forma a perceberem vantagens para ambos, surgem as relações negociais de crédito.
Um ator que ainda figura como protagonista nesse mercado é aquele banco tradicional. Tal instituição funciona de modo a intermediar operações de crédito, e o faz trazendo para si os riscos da operação. Quando eu aloco os meus recursos excedentes em uma conta poupança e recebo uma remuneração por isso, tal fato se dá em razão dos meus recursos terem sido emprestados a um terceiro desconhecido por mim. O banco realizou, portanto, uma ponte. E nessa relação, vê-se simultaneamente como sujeito ativo e passivo.
Em sua figura ativa, ao emprestar quantias a tomadores, o banco o faz de forma remunerada. E tal remuneração consiste em juros bancários, os quais são caríssimos no Brasil. A diferença entre o valor emprestado e o que se paga para tê-lo é denominada ‘spread’. E o ‘spread’, em uma definição simples, é a remuneração pelo intermédio bancário.
A função social dos institutos é deveras importante. O ideal que se espera do crédito é que este sirva de fomento à economia e incentivo à geração de negócios, principalmente para microempreendedores e empresas de pequeno porte. Com maior razão, se assim o fizesse, veria-se consoante ao que dispõe a Constituição Federal em seu art. 179, caput. Este dispõe:
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Vê-se grande sabedoria em um provérbio português o qual diz que no papel tudo pode ser aceito. Desse modo, por vezes, há um vão entre a Constituição Pátria e a realidade. Tal fato, conquanto, não significa que a realidade deva alterar o texto constitucional. Com maior razão, esse consiste em um dever-ser, no ideal. Desse modo, devemos estar sempre buscando o aperfeiçoamento de nossa sociedade.
Nesta senda, é cediço que o crédito não é nem um pouco simplificado para microempreendedores e empresas de pequeno porte. Muito pelo contrário, este vê-se ainda concentrado em poucas instituições que possuem domínio do mercado, o que contribui para que a sua precificação (spread) mantenha-se elevada.
O cenário atípico de uma pandemia em que vivemos vem realçando problemas que nos acompanham de longa data. Em uma entrevista concedida pelo presidente do BNDES Gustavo Montezano ao Jornal do Senado Federal, ele destacou que:
“A questão de acesso ao crédito para micro, pequena e média empresa no Brasil não é algo oriundo da crise. A crise só externalizou. Saltou aos nossos olhos como a gente precisa trabalhar mais e ter mais medidas e ações estruturantes que viabilizem o crédito para esse segmento empresarial, que gera tanto emprego.” (Agência Senado, 2020).
O BNDES, nosso banco público, ainda é um grande credor no mercado. Grande até demais, pode-se dizer, pois uma maior presença da iniciativa privada neste espaço seria um meio possível de trazer benefícios maiores à coletividade. E há de se afirmar, veementemente, que o Brasil não pode ser do tamanho de um banco público.
Ilustra-se, em ato contínuo, o que fora exposto com casos concretos de empresários que vêm tendo dificuldade de acesso a linhas de crédito, tanto de bancos públicos como privados.
Na zona sul do Rio de Janeiro, um empresário que possui duas lojas de vestuário nos bairros do Leblon e Copacabana vem sofrendo grandes dificuldades para receber uma linha de crédito especial estruturada pelo Governo, a qual bancos públicos realizariam o intermédio. É tanta burocracia que pode ser que a ajuda venha tarde demais. Eis o depoimento de Marcos Galvão ao Portal G1:
“E não consegui porque minhas funcionárias não estavam recebendo pelo banco. A gente pagava em espécie para elas. A gente correu, abriu conta para todas, mas foi negado porque o salário teria que estar sendo pago através do banco há pelo menos seis meses. Tive que pagar a folha com o finalzinho do meu caixa”, contou.
A demora com os empréstimos e a complexa burocracia pode vir a ceifar negócios por todo o país, o que geraria um agravamento da recessão econômica que se vivencia. De fato, o Governo sozinho não será capaz de oferecer soluções econômicas bastantes para os negócios durante a pandemia. Faz-se mister, portanto, que haja um alinhamento entre a iniciativa privada e o poder público, em prol de um bem maior.
No ano de 2019, houve o advento da Lei Complementar 167/19, a qual criou a Empresa Simples de Crédito “ESC”. Tal empresa possibilita que poupadores, sem o intermédio de um banco, “pejotizem-se“ e realizem negociações creditícias remuneradas com juros a serem fixados pelo mercado. Logicamente, com menos um agente a ser remunerado no processo, o custo desse empréstimo veria-se menor. Além, é claro, da maior competitividade ser um importante fator para o devido ajuste dos preços realizado pelo mercado.
Vê-se a modalidade de empresa em voga como um caminho interessante e importante alternativa ao fomento da economia, especialmente no cenário atual. Ocorre que, por se ver ainda como uma novidade em nosso ordenamento jurídico, uma série de dúvidas e lacunas jurídicas a cerceiam.
Conforme já exposto, a Empresa Simples de Crédito nasce com a edição da Lei Complementar 167/19 e pela disciplina da Instrução Normativa DREI 61, de maio de 2019. Mais do que a mera leitura legal, deve-se entender a ideia por trás de cada disposição legal, visando à correta constituição e operacionalização da ESC.
No âmbito societário, existem três opções para constituição da ESC: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), empresário individual ou sociedade limitada. É claro, nesse sentido, que o legislador opta por um tipo societário que se adeque mais ao caráter personalíssimo característico da ESC, em especial quando se observa a possibilidade excepcional, nos casos previstos em lei, de se responsabilizar subsidiariamente e excepcionalmente os sócios. Ora, se está-se falando de uma pessoa jurídica cujo objetivo é o atendimento às demandas financeiras dos partícipes do mercado, não é nenhuma surpresa que a operacionalização descarte a hipótese de constituição como Sociedade Anônima.
Ainda no que diz respeito à efetiva constituição, é interessante observar suas limitações no que diz respeito à atividade prestada. A ESC é uma solução menos burocrática para micro e pequenas empresas no Brasil, que hoje correspondem a 99,1% do total no país, bem como geram 52% dos empregos, segundo dados do SEBRAE. Dessa maneira, se o objetivo final é simplificar o acesso ao crédito, seu objeto social não deve ser visto de maneira exaustiva no que concerne à realização de empréstimos. É vedada a realização de empréstimos a outras pessoas jurídicas que não microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar 123/2006 (Simples Nacional).
Não obstante a vedação às contrapartes, o empréstimo a ser realizado é mediante disponibilização de seus próprios recursos. Para fins societários, isso significa uma especial atenção, no momento de sua constituição, ao capital social, que corresponderá ao máximo de crédito que a mesma poderá disponibilizar. Ainda que não haja limite para o capital social, há um limite de 4,8 milhões de faturamento anual.
Os sócios não devem optar pela ESC pensando apenas no ‘modus operandi’ mais simples. A mera limitação ao faturamento já é motivo para se indagar pela constituição, por exemplo, de uma Sociedade de Crédito Direto “SCD”, que, diferentemente da Empresa Simples de Crédito, é caracterizada como Instituição Financeira e necessita de prévia autorização do Banco Central “BACEN”. Todavia, as limitações são menores e mais expansivas financeiramente, em especial pela vedação à ESC de realizar qualquer captação de recursos, em nome próprio ou de terceiros, sob pena de enquadramento no crime previsto na Lei n° 7.492/86 de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
A questão tributária é um dos mais relevantes pontos na opção pela ESC. Primeiramente porque não existe uma Classificação Nacional de Atividade Empresarial (CNAE) específico para a mesma, e os mais próximos à sua definição (6499-9/99 e 6438-7/99) não permitem aos sócios optarem pelo Simples Nacional, apenas pelo Lucro Presumido ou Lucro Real, sendo a base de cálculo 38,4% sobre a receita.
Não obstante, a ESC está sujeita ao recolhimento de IOF com o valor do principal entregue ao mutuário como base de cálculo da operação. Novamente, evidencia-se que o legislador não tornou tão simples a operacionalização da ESC como deveria ser quando se analisa o público para o qual a mesma é destinada.
Se o enquadramento tributário e as limitações são motivos de reflexão sobre a escolha pela ESC, a supervisão pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras “COAF” mais uma vez demonstra a dislexia do legislador, que limita de diversas formas a atuação da ESC, todavia a enquadra em uma complexidade tributária e operacional semelhante à de uma Instituição Financeira. Ainda assim, é surpreendente o crescimento exponencial do número de novas empresas deste gênero: apenas em 2019, 350 novas ESCs foram constituídas no país.
2.1 Do risco societário
Não é apenas a regulamentação que torna uma atividade legítima. Legitimidade difere de legalidade em sentido antropológico, e tendo isto em vista ainda se faz necessário algumas desmistificações perante à atividade prestada pela ESC.
A falsa premissa de que seria uma regulamentação da agiotagem vai na mesma linha de raciocínio do contrato de cessão financeira em nosso idioma pátrio, comumente chamado de ‘factoring’ em seus primórdios. Fazia-se necessário um aumento de segurança jurídica na edição da Lei Complementar 167/19, de modo a se afastar a falsa noção de agiotagem, entretanto, trazendo consigo a infeliz figura do paternalismo jurídico brasileiro.
Um claro exemplo do paternalismo supracitado é a negativa de abertura de filiais, disposta no IN DREI 61/2019, ainda que seja no mesmo município do que seria a sede. Ora, se o objetivo é criar um acesso ao crédito voltado para o empresariado de menor porte, qual a justificativa do Leviatã para criar um limite territorial? Mais que isso, qual a lógica de nem sequer se definir um limite, simplesmente proibir a expansão para aumentar o raio de atendimento?
A limitação de filiais, em uma interpretação lato sensu, não vai de encontro com o princípio da livre iniciativa? Fica a reflexão. Ainda mais em um contexto em que a Lei 13.874/19 da Liberdade Econômica aponta em direção contrária, favorecendo uma economia de mercado.
A justificativa para limitações territoriais e de faturamento provavelmente se dá na análise de mercado da Receita Federal, apontando que dificilmente o teto de faturamento será ultrapassado. Soma-se a isso a possibilidade de operação online, o que aproxima a ESC de uma espécie de Fintech extremamente limitada.
Assim, se por um lado o paternalismo visa eliminar preconceitos e proteger a parte hipossuficiente, por outro cria dificuldades que obrigarão o empresário que queira crescer a custear uma mudança societária e operacional completa.
2.2 Da operação de crédito e do risco contencioso
O contrato de empréstimo, que das operações permitidas pela ESC (lista-se também financiamento e desconto de títulos), naturalmente será um contrato de mútuo, oneroso e unilateral, uma vez que produz obrigações para a mutuária com relação à devolução do principal com juros.
A operação de empréstimo é basicamente via débito e crédito na conta da Empresa Simples de Crédito, não havendo muito o que dissecar, o que é benéfico para o tomador do crédito, pois a simplicidade e a taxa de juros mais atrativa são o que motivam a busca por esse tipo de credor.
O que mais instiga curiosidade, porém, é a operação de desconto de duplicatas. Muitas dúvidas surgem no momento em que se menciona esta possibilidade. A mera leitura não interpretativa desta possibilidade leva o leitor a indagar se a ESC estaria fazendo operação de cessão financeira. É importante, portanto, que se tenha o correto entendimento legal, mitigando o risco jurídico e operacional.
Em contratos de factoring, o que há é a cessão de crédito, de maneira que a faturadora liquida a operação imediatamente ao cedente, assumindo o risco de liquidação perante o devedor. Diferentemente, na ESC trata-se de uma operação de empréstimo com caução em título executivo extrajudicial.
Para o mutuário, deve-se considerar também o risco de inadimplemento por parte do sacado, uma vez que há a possibilidade de a ESC, em caso de inadimplência, cobrar o mutuário pelo regresso simples.
No mais, é importante que a ESC atente-se para a entrega do contrato à contraparte mediante protocolo (art. 5, II da LC 167/2019), como forma de segurança jurídica.
Acesso ao crédito pelo micro e pequeno empreendedor: um balanço de ações governamentais
Apesar de os pequenos negócios terem uma representação significativa em nossa economia, esses vinham enfrentando grandes dificuldades para contrair empréstimos. Na pandemia, essa dificuldade foi ainda mais realçada.
Em razão do difícil acesso ao crédito, o Banco Central adotou uma medida inédita: liberar R$ 1,2 trilhão ao mercado bancário. Soma-se a isto Medidas Provisórias que desburocratizam o acesso ao crédito. Nem na crise de 2008 ocorreu um plano de injeção de recursos tão alto.
Dados extraídos do Banco Central apontam, no entanto, que não houve até então o êxito esperado. Pesquisas indicam que o nível de confiança no país teve uma grande redução. Exemplos: o Índice de Confiança do Consumidor caiu 22,1 pontos; o Índice de Confiança Empresarial recuou 27,6 pontos em abril; e o Índice de Confiança da Indústria recuou 39,0 pontos.
Um fator que explica essa queda na confiança é a dificuldade em acessar o recurso disponibilizado. Pesquisa do Sebrae, em parceria com a FGV, mostra que:
- 89% dos microempreendedores tiveram redução de renda;
- a demanda por empréstimos subiu oito pontos percentuais;
- apenas 14% tiveram suas solicitações aprovadas, sendo que 86% ainda estavam em análise em maio.
A ESC como uma alternativa
Os principais óbices para o acesso ao crédito são a burocracia e o custo. A ESC surge como alternativa, pois tem como foco financiar negócios de menor porte. Seu limite de receita bruta anual é de R$ 4,8 milhões, conforme a Resolução CGSN nº 140/2018.
Com sua criação, estimativas governamentais previam que a ESC poderia injetar R$ 20 bilhões por ano no mercado de crédito, mesmo com apenas 1.000 empresas abertas. Isso representaria 2% do montante que o Governo injetaria no período da pandemia (R$ 1,2 trilhão).
Além disso, a presença da ESC aumenta a competitividade, o que ajuda a reduzir os juros praticados. Ademais, iniciativas que contem com a parceria do Poder Público e da iniciativa privada são imprescindíveis. O endividamento do Governo em 81,9% do PIB demonstra a necessidade de ampliar o espaço da iniciativa privada.
Em maio de 2020, o Sebrae identificou 658 ESCs no país – um crescimento expressivo desde sua criação. Para que o setor se torne mais atrativo, riscos como o contencioso, o societário e os limites operacionais precisam ser superados.
O PLC 142/20 e uma proposta de participação em programas oficiais
Ainda que a Lei 13.636/18 já autorize a ESC a participar do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), existem barreiras legais, como a impossibilidade de captação de recursos de terceiros e o limite de empréstimo vinculado ao capital social integralizado.
O Projeto de Lei Complementar 142/20 propõe:
- Permitir que a ESC participe de programas oficiais de financiamento voltados ao micro e pequeno empreendedor, para combater os efeitos da pandemia.
- Retirar o limite de empréstimo vinculado ao capital social, além da possibilidade de acesso a fundos garantidores disponibilizados por instituições financeiras como Caixa e BNDES.
Tais mudanças são justificáveis para ampliar a concorrência, reduzir o spread e mitigar a Crise do Crédito enfrentada por micro e pequenos empreendedores.
Conclusões
O COVID-19 trouxe profundas mudanças sociais e econômicas. Entre elas, destacou-se seu duro impacto no crédito. O ser humano, enquanto ser essencialmente desadaptado do mundo, viu-se mais uma vez provocado a enfrentar um desafio.
Com o objetivo de ampliar o acesso ao crédito ao micro e pequeno empreendedor, criou-se a Empresa Simples de Crédito. Essa dificuldade de acesso já era antiga, mas foi intensificada no cenário de pandemia.
Este estudo buscou analisar a ESC sob perspectivas jurídica e econômica. Constatou-se que a ESC tem grande potencial de fomento à economia, mas enfrenta limitações legais e insegurança jurídica.
Estimativas apontam que, com apenas 1.000 ESCs, mais de R$ 20 bilhões podem ser injetados na economia – um impacto expressivo, considerando que isso corresponde a menos de 20% dos municípios brasileiros.
Do ponto de vista jurídico, foram identificados obstáculos como: insegurança jurídica, risco contencioso, restrições ao rendimento bruto e vedação à alavancagem. Projetos de lei como o PLC 142/20 buscam corrigir essas limitações.
Os resultados superaram as expectativas iniciais da pesquisa, mostrando que a ESC é um meio alternativo de impacto econômico muito relevante. O tema ainda é inédito e há espaço para novas pesquisas, sobretudo quanto ao tratamento que será dado pelo Judiciário.
Referências
- MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. atual. Saraiva, 2018.
- EIZIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico. 4ª ed. atual. Quartier Latin, 2020.
- PITTA, André; FILHO, Valdir. Sistema Financeiro Nacional: Conceito de Mercado Financeiro. In: Direito do Mercado de Valores Mobiliários. 1ª ed., 2017.
- BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
- BRASIL. Lei Ordinária nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
- BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
- BRASIL. Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de 2019. Dispõe sobre a Empresa Simples de Crédito (ESC).
- BRASIL. Instrução Normativa DREI nº 61, de 10 de maio de 2019.
- BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
- BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 142, de 28 de maio de 2020. Autoriza a participação das Empresas Simples de Crédito em programas oficiais de crédito voltados às microempresas e empresas de pequeno porte.

